terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Afectos à flor da pele

Ariana seria sempre alguém cujo  comportamento emotivo e delirante era a forma mais eficaz que ela encontrava para se desfazer da pele de lobo que tinha o hábito de endossar. Ela começava a ficar cansada de si própria, da sua insatisfação, do seu desinteresse por tudo o que até então era importante como: ser uma boa pessoa, "ter valores" como todos defendem...
Ter valores para ela equivalia a negar tudo o que lhe proporcionava alegria. Tinha sido difícil manter segredos que  rasgam por dentro como se mil lixas  desgastassem em permanência a mente e as emoções, ao ponto de ter alguma dificuldade de raciocínio. A sua vida tinha girado à volta do seu segredo!
O tempo ajuda sempre, a distância mais ainda e Ariana encontrava mil maneiras, mil subterfúgios para construir à sua volta momentos de felicidade que a protegiam de modo a que a contra-gosto pudesse limpar  da sua cabeça as memórias que a afligiam mas sem as quais podemos sentir-nos seres vazios mas tinha que aprender a varrer da sua cabeça o que era inútil e não a levava a lado nenhum.
Quando se aproximava de alguém que a fazia esquecer a maldade dos homens tinha necessidade de abraços,tinha sempre uma vontade visceral de trocar carícias inocentes, de tocar, de afagar, de sentir o calor do outro, sabendo que por detrás desses gestos nada poderia advir de mau.
Nas emoções e nos afectos Ariana tinha necessidade de ser autentica e preferia de longe que lhe dissessem sem rodeios, sem medo de a magoar que a sua atitude quase infantil de cultivar amizades   podia ser mal interpretada, ela parecia alguém disponível para viver todo o tipo de aventuras que a empurravam e  elevavam para realidades onde o absurdo não se compadece com sentimentos descomprometidos. Ela precisava de ouvir ideias claras, honestas vindas do coração, como se delas dependesse o fluir da vida, não era moralista, bem pelo contrário, mas defendia a frontalidade nas ideias... que a perdoassem se metade do seu ser era amor e a outra metade dor.
  Vivia sempre preocupada em fazer os outros felizes mas ela sabia que o momento chegara : teria que pensar nela, no seu bem-estar e só assim a qualidade das suas relações melhoraria. Ela lutava diariamente para subir mais um degrau na sua auto-estima, no seu auto-conhecimento, só assim ela manteria a sua sanidade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A eternidade na palma da mão

Mil viagens  fizesse, mil vezes que repetisse: "Passado é passado e o que conta é o aqui e agora", o passado manhoso pendurava-se sem pudor nos seus ombros e fazia com que o seu peso transformasse as coisas mais fáceis de fazer em torturas que lhe tiravam a sono.Nunca conquistara a sua liberdade de forma positiva tudo o que conseguira era ir contra-corrente num medo persistente de cair da falésia que tanto a atraía e ao mesmo tempo a repugnava...porque a falésia da sua vida espraiava-se até ao infinito e parecia chamá-la insistentemente, o que é que a podia impedir de mergulhar no azul sem fim e desaparecer? O seu desdém pela raça humana colocou-a numa posição de dúvida sobre todos os valores que formataram o seu pensamento até uma certa idade. Ela duvidava de tudo, de todos e até dos seus próprios sentidos e emoções.Ela sabia que carregava com ela o fardo da eternidade até que a hora de fechar os olhos chegasse. A sua eternidade era aquele ponto pequenino que algures no passado a alienou, transformando-a numa garota fria, calculista, sem remorsos nem valores morais.Só uma certeza a mantinha humana, demasiado humana: ela tinha uma família numerosa que apesar de tudo devia amá-la; apesar das suas ausências, dos seus silêncios e das suas fugas.
Tudo o que tentou empreender não lhe trouxe a felicidade a que todas as almas aspiram. Era uma diletante da vida e gostava paradoxalmente de enaltecer paixões proibidas. Gostava de amar as coisas sem compromissos, amava quando nada lhe pediam, apaixonava-se sem se preocupar com o amanhã porque o processo da sua construção mental não obedeceu às regras de uma educação cuidada, onde imperasse o carinho, a sede do conhecer e do auto-conhecimento, a importância do saber como libertação de uma tradição judaico-cristã que empurra a felicidade para o além, condena-nos a uma existência de auto flagelação. Para chegar ao SABER  Ariana tinha que transpor a barreira da tradição pois "para ser mulher bastava ter filhos e ser obediente" dizia-lhe o pai. Ter filhos ainda vá que não vá, mas ser obediente? Hum... seria difícil, depois de saborear a libertação que proporciona o conhecimento, amarrar-se a regras que não fossem as suas próprias regras.