sábado, 30 de junho de 2012

Entre o nascer e o morrer o que pode existir senão o prazer? A ausência de sentido da vida só pode ser ultrapassada com o prazer de partilhar com os outros este vazio que vai aumentando à medida que o corpo se degrada. Ariana bem tentava convencer Jaime que cada minuto decorrido era uma dádiva da vida mas ele caía num desespero egoísta, sempre preocupado com os sinais que o seu corpo lhe lançava. Depois de ultrapassado o meio século não podia perder tempo com futilidades, com conversas da treta sobre valores e méritos conquistados a pulso... Não! Essa conversa de percorrer o caminho da vida tentando alcançar terraços , transpor degraus ou declives, rodopiando de obstáculo em obstáculo sempre consciente que em cada patamar se pode  parar e vislumbrar o que se fez de bom ou de mal ...não era conversa para Jaime! Ele nunca cometera erros! Cada gesto, cada escolha, cada palavra doce ou amarga era consequência de uma necessidade do momento, por isso não tinha que fazer nenhuma introspecção!nunca Jaime reconheceria que na escadaria da vida é reconfortante povoá-la de gente boa e leal, para tal seria sempre necessário fazer cedências e destas cedências retirar o prazer da partilha. 
A grande revolta de Jaime advinha do facto de se sentir um número fora da contagem. Tinha deixado para trás a sua criatividade, o corpo corroído de dores não lhe permitia ficar de pé junta à bancada de trabalho de onde tinham saído tantos objectos que davam sentido ao absurdo oco do seu  quotidiano. As horas passavam agora paralisadas numa inactividade absoluta. A abstinência criativa era talvez pior que a  decrepitude física.

Os limites do pequeno jardim eram os limites do seu pequeno mundo de onde se recusava a sair nem que fosse para um pequeno passeio que desentorpeceria as pernas doridas. Também... pouco havia a descobrir numa localidade a definhar na ignorância das gentes! Uma terra a envelhecer saturada pela letargia de quem detém o poder.Um rio a morrer devido à pesca ilegal que, no presente, já mal alimenta as famílias e os vícios. Tinha sido um rio parcimonioso com a população ribeirinha. Jaime lembrava-se daquele rio que alimentara famílias inteiras, lembrava-se da praia onde brincavam novos e velhos. A vasta praia que se estendia até à Cova do Vapor (transformada agora em depósito de lixo), onde se faziam os festejos tradicionais com as corridas de botes, a caça ao pato e os jogos do pau ensebado. À beira rio cruzavam-se olhares que viriam a dar em casamentos, o que nos mostra o carácter fortuito da existência que pode ser o fruto de um jogo caótico de encontros e desencontros. Jaime não gostava do ar húmido do rio que lhe trazia à memória grandes ataques de asma.     


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