Jaime viajou como "turista" desesperado. Nos anos setenta, já próximo da Revolução dos Cravos, ainda era a forma possível para chegar a França, sem ter que passar pelas provações daqueles "que davam o salto" através de montes e vales,riachos e aldeias perdidas .
Com o passaporte de turista comprou um bilhete de "Ida" no Sul Expresso. Ao partir, rolou uma lágrima na garganta, um soluço no coração mas fez um "manguito" ao destino que lhe negava um projecto de vida em terras de Portugal. Contava com a solidariedade de familiares e assim aconteceu. Partir também pode implicar despojar-se de pruridos, alimentar a humildade e receber de alma vazia e cabeça limpa de vãos orgulhos, tudo o que nos queiram oferecer.
Não tinha Licas a seu lado, sentia-se só e desprotegido. Organizou o mais depressa que pôde a sua nova vida de forma a providenciar a vinda da sua companheira.Em Paris esperá-la-ia com a saudade repleta de queixumes que só ela ouvia e entendia com paciência. Os filhos ficariam para trás, em casa da matriarca, Adelaide, protectora da família.
Durante oito meses Adelaide viveu as angústias da penúria. O agregado familiar aumentara de um dia para o outro com os três filhos da Licas sua filha. Eram três crianças que nunca foram ouvidas nem tomaram parte na decisão familiar. Aliás nem a própria Licas fizera parte do plano. Jaime era perito em quebrar os laços com a vida. Ariana,Isaac e Alfena viram-se como órfãos temporários, entregues aos cuidados da avó que jamais se lamentou ao ver a casa que se sujava mais, da roupa que enchia o tanque. As suas mão encarquilhadas e doridas eram a única testemunha do quanto ela trabalhara duramente.
Tanque cheios de água gelada que Adelaide chegou a ir buscar à fonte que jorrava na mata da Enxurrada , antes da chegada da água canalizada.
Aos quilos de roupa que Adelaide lavava para os soldados, juntavam-se agora as roupitas de mais três pequenos seres deixados para trás, ao sabor dos dias frios da margem sul.
Ariana gostava de acompanhar a avó que, de trouxa à cabeça, se dirigia decidida mas humilde ao soldado de plantão. Um a um os soldados eram chamados. vinham a correr da camarata ou da Messe e recebiam a roupa branca e cheirosa. A sujidade eras lavada sabe Deus com que esforço pelas mãos que se retorciam, pelos dedos que se iam deformando para ganhar mais alguns tostões.
O pedido de Licas apanhou Adelaide de surpresa. Não protestou...deixou-a ir atrás do sonho do seu homem. Depois da partida ouviam-na lamuriar: "Perdi a minha menina... quando voltar estarei morta!"
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