segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Não quero partir

A viagem aconteceu sem que Ariana estivesse preparada ou tivesse escolhido empreendê-la.
A mãe Licas, um certo dia, lavou-lhe com mais cuidado os caracóis longos e ouro; pôs-lhe o vestidinho branco dos baptizados e apresentou-a a um avô tisnado pelo sol de Moçambique e a uma avó Nilas, redonda, de ar bonacheirão e bem cuidada. Ariana impertigada respondeu:
- Só tenho a avó Adelaide, não tenho mais nenhuma!
Então a Senhora com vestido de seda e um belo colar no pescoço gordinho falou e a sua voz terna, quase inaudível cativou Ariana. Baixinho disse ao ouvido da menina:
- Vens connosco durante o tempo que quiseres e serás muito feliz!
Jaime não foi ouvido mas para Licas que sofria ao ver partir a sua menina, seria menos uma boca a alimentar por um período indeterminado. Não via o seu pai desde adolescente mas o seu olhar profundo de um azul transparente ainda a inibiam e ela não sabia porquê!
Ariana chorou baixinho, ela nunca deixara a família para seguir dois seres tão estranhos. Ela não sabia que seria o início de uma louca experiência que a rasgava por dentro e destruiria para sempre a sua ideia de que o mundo era belo e seguro.
A senhora intrigava Ariana com os seus vestidos de seda, discretamente decorada com animais exóticos e plantas estilizadas em relevo, em tons prateados, dourados e lazúli. Das bochechas redondas e coradas sobressaía um narizito ligeiramente achatado, na boca rosa tinha um sorriso eterno que só muito raramente se transformava em esgar quase cruel.

Quanto ao Velho mais parecia uma personagem de banda desenhada: Chapéu branco colonial, fato branco, olhar azul-claro e penetrante, sorriso imutável desenhado nos lábios finos e desdenhosos.
Ele assustava Ariana com a sua estatura gigantesca, as suas mãos duras e grandes, a menina refugiava-se no colo desconhecido da "avó Nila". Ela sorria e enfonava os seios opulentes. Orgulhosa pensava que não estaria longe o dia em que aquele querubim viria a ser seu.
Ariana ainda não o sabia, Jaime e Licas  também não suspeitavam que, ainda menina, teria que lutar pela sua liberdade.

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