domingo, 21 de novembro de 2010

Regresso do inferno

A pequenita Ariana viveu protegida pelo casulo que Adelaide ia construindo à sua volta como se temesse que algo de terrível pudesse acontecer à sua menina do coração.
Chegara o ano de mil novecentos e sessenta e um, a FRELIMO iniciava o movimento de libertação de Moçambique. Na região do Zambeze Licas e Januário já tinham sido avisados que o melhor mesmo seria partir o quanto antes, ninguém seria poupado sobretudo aqueles que, como eles, vivessem isolados no mato, nas "sanzalas" onde ainda existia uma certa forma de escravatura. Nila não compreendia muito bem como é que as coisas podiam tornar-se mais dramáticas. Perdera já o seu pequenito Joaquim que aos sete anos fora violentamente esmagado por um camião. Perdera a Razão e durante algum tempo o relógio parou na sua cabeça. O seu trato afável, meigo e discreto talvez lhe tivessem salvo a vida. O criado que ela sempre tratara como um filho, um irmão de brincadeiras do seu menino Joaquim, segredou-lhe nervosamente para avisar o "Buana", o patrão Januário, que era melhor partir, deixar a loja a "sanzala" e a criadagem para trás.
Os últimos meses da estadia foram dedicados a empacotar tudo o que puderam; nem se despediram dos amigos que nunca mais reviram. Aproveitando as cheias do Zambeze fugiram como ratos desorientados deixando o navio.

Numa manhã, bem cedo, escondidos pela neblina deixaram a "machamba" que Januário dirigia com mão e chicote impiedosos. A embarcação baloiçava nas turbulentas e lodosas águas que a impeliam raivosamente. Por fim deixaram a região da Beira e subiram para Quelimane. A viagem até terra segura durou dias e só foi possível com a ajuda  dedicada do mulato, do pequeno servo e amigo.

Terminou ali a aventurosa viagem por terras do Ultramar onde tinham vivido como conquistadores sem exército. Nas colónias bastava que a cor da pele fosse branca, muito empenho e trabalho claro, e por vezes poucos escrúpulos para alcançarem os objectivos que Portugal negava ao cidadão das classes mais baixas.
Embarcaram para a metrópole e refizeram a viagem de retorno:  mais velhos, a bolsa um pouco mais pesada mas o coração de Nila chorava mais pobre,  transportando no porão a urna do filho que seria enterrado em frente da Serra do Montejunto.

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