terça-feira, 14 de setembro de 2010

Do colégio para o mar

Catorze anos! A idade das dúvidas existenciais, idade da identificação no seio do grupo.Catorze anos! A idade dos amores, das paixões não correspondidas.Para Jaime os seus catorze anos foram a idade em que ele pela primeira vez afagou suavemente uma tábua . Estava no Colégio São João de Brito, onde fez um pouco de tudo até à idade de "ir às sortes". Decorreram seis anos e foi durante esse período que a verdadeira vocação de Jaime se revelou. Faria com a madeira o que o escultor faz com o mármore, ou o pintor faz com a tela, ou o escritor com a sua obra...despejaria nela toda a sua  alma,a sua vida e o seu engenho.
Foram seis anos de  alienação do corpo: pelo trabalho duro, pela constante pressão que sobre ele exerciam, a fim de direccionar a sua acção de modo sempre eficaz, sem direito a reclamações . Libertou a alma: pelos princípios que o impulsionavam a ver na criação a beleza divina e a reconhecer nos outros uma bondade que ele, até então, só reconhecera na sua mãe . Ganhava muito pouco (e sem direito a pedir aumento pois corria o risco de ser conotado como comunista!), mas tinha no Colégio um abrigo humilde : Uma cama, um armário uma mesa e uma cadeira preenchiam o seu espaço silencioso e monótono.Oficialmente o Colégio albergou os primeiros Jesuítas em 1947, aí foram recebidos uma dezena de alunos aproximadamente, era uma pequena família onde Jaime sentia que era também um elo na engrenagem.
Tinha o seu lugar na pequena comunidade elitista que podia ocupar os espaços deixados livres pela família. Só muito mais tarde o Colégio  albergaria mais de cinco centenas de almas mas por essa altura já Jaime partira por outros atalhos .
Aos vinte anos, o homem da beira baixa teve que deixar o Colégio e escolheu o mar por companheiro. Na Marinha revelou-se a fragilidade do corpo não só pela má nutrição da infância mas também porque a herança genética tem a sua palavra a dizer e nesse campo infelizmente a doce mãe Ermelinda deixou-lhe como legado não a sua doçura mas as mazelas físicas.
Jaime, na cama, esticou o corpo dorido , tentou passar o braço por cima do ombro desnudado de Licas e desastrado nos contactos físicos pousou a mão com violência sobre o cabelo de ouro.Acordou-a e por ali ficaram a fazer falar as memórias e os desejos, no espaço da noite e dos lençóis amachucados. Licas estava maravilhosa com o ventre rosa bem redondo, um novo membro da família vinha a caminho para se juntar aos três mais velhos.
-Vá não sejas marota sabes bem que agora não há perigo - disse Jaime - Havia que aproveitar!
A gravidez era uma certeza que poupava muitas aflições, incertezas e angustias numa época em que os métodos contraceptivos ainda não eram uma realidade para todos os casais, sobretudo os emigrantes, que achavam que aumentar a família era um sinal de cidadania, num país onde os casais já optavam por terem um ou dois filhos.

1 comentário:

  1. Gostei...
    Pena que tanta gente ainda considere a sexualidade algo pecaminnoso!

    Bom final de semana.

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