sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ariana

Ariana era como todos os bebés: linda, frágil e terrivelmente incómoda. A débil saúde do pai ditou  a partida do casal para a margem norte de onde sopravam os ventos dominantes poluídos e doentios. Ariana ficou para trás, entregue ao desvelo da avó que se transformaria na sua mãe de berço. A pequenita encontrou na casa da avó Adelaide a atenção que os pais não lhe podiam dar; divididos entre as dificuldades impostas pelas carências financeiras e os dramas ocasionais que a saúde do chefe da família impunha.
A pequena mulher suportou com uma misteriosa beleza no olhar azul o que outras mulheres teriam transformado em pesados fardos do destino.
Jaime estremeceu comovido e martelou a peça de madeira a compasso da emoção que sentia ao recordar como foi difícil deixar para trás Ariana, tão pequenina, recém-desmamada, cega procurando sem cessar o seio materno de Licas que chorava quando ao domingo ia visitar Adelaide e via a cabecinha calva da menina esfregar nervosamente o regaço seco da avó.
Como ele amava aquela menina!
No entanto uma espécie de pudor nunca lhe permitiu abraçá-la e dizer-lhe o quanto ela era importante. Quantos sonhos perdidos ele projectara para Ariana!
Quantas desilusões Ariana representara.! Como Jaime tudo esperava, tudo o que não aconteceu foi desencantamento e tudo o que Ariana conseguiu teve pouco mérito aos olhos do pai.

1 comentário:

  1. "... como todos os bebés: linda, frágil e terrivelmente incómoda." deliciosamente verdadeira definição.

    Escrita cristalina, continuo relendo encantado.

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