terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dançou e cantou sobre o inferno da eternidade

Quanto tempo faltaria para que as palavras escritas fossem suas companheiras, quanto tempo ainda para sob a protecção da mensagem Ariana pudesse formalizar o seu grito de revolta? Foram dois anos de silêncio, alimentado pelas ameaças de morte...e tu Jaime, nunca viste o brilho diabólico nos olhos semi-cerrados do Africano, como era conhecido no povoado o Velho do Chapéu? Nunca passa pela cabeça de um pai que a sua menina possa ser pendurada por um pezito sobre o poço mais fundo da quinta, deixando-se pendurar sem resistência, doce, humilde, de braços abertos em cruz como se de uma brincadeira se tratasse. Olhava fixamente a água escura e parada mas na sua cabeça nem o pensamento da morte eminente aflorava, as crianças não pensam na morte da mesma maneira que os adultos. Era quase um jogo onde morte era sinónimo de fim de jogo. Nunca imaginarias que a tua menina pudesse ser  fechada na fossa da bomba de tirar água ficando à espera que a tampa de cimento se levantasse e a voz doce do Velho fazia-se ouvir: " Vês o que pode acontecer se contares à avozinha?"
Compreendes agora Jaime que a tua história de menino da montanha foi curta, fugiste e organizaste a tua vida, fugiste de novo para terras mais distantes e aí começaste de novo o teu projecto, cada vez mais completo, mais doente mas mais sereno. A tua Ariana não encontrou essa paz mesmo quando dançou e cantou sobre a campa rasa do Velho enquanto tu gritavas: "Ela está doida varrida!"Ariana saltou sobre o inferno da sua eternidade,uma eternidade que durará o tempo da sua própria vida. Como ela lamentou não acreditar na vida depois da morte!Ariana lembrou-se naquele momento de desespero de uma frase repetida pelo Velho, de forma lacónica , vezes sem conta :" Podeis acreditar que nunca morrerei, estarei sempre cá para ser recordado!"Como já na altura eras bom psicólogo, tu sabias que estavas a traçar um caminho duro para a tua neta que todos os dias tem um pensamento para ti!
Nunca será esquecido o dia em que pela primeira vez acorreste de imediato ao apelo feito por carta. Chegaste "à pendura" com o teu prestável amigo. O Velho do Chapéu não gostou que invadissem a sua fortaleza onde cultivava segredos que humilhavam, que transpunham a linha onde os valores eram invertidos, onde os desejos eram balas que adormeciam a vontade, que alienavam todo um percurso de vida sem futuro. Segredos que não poderão ser levados para a indulgência da morte, depois da provação da vida ter chegado ao limite. Quando o silêncio é quebrado e fala a criança vítima de perversão sexual, o mundo deve calar-se e escutar com amor. Jaime será que algum dia aprendeste a escutar os outros com amor desinteressado,eu sei que é difícil para alguém que foi arrancado ao abraço da mãe, tão novo ainda tão frágil emocionalmente ver o mundo à distância de um olhar objectivo, mas lembra-te Jaime que foste participante numa vida que morreu antes de florir, não tiveste responsabilidade mas foste actor na peça onde Ariana se confrontou ainda quase uma bebé com o poder do dinheiro, o desprezo pela liberdade dos outros. Ariana e tu Jaime viajaram em sentidos opostos: tu cresceste numa construção continua do teu ser, Ariana cresceu com uma vontade quase obsessiva de se tornar cada vez mais pequenina até desaparecer. Tu lutaste pelo mundo que conquistaste a tua Ariana despreza o mundo que conquistou.

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