quarta-feira, 21 de julho de 2010

As plantas da infância

Jaime contornou o tronco da velha figueira, sentia-a na pele, os seus sentidos pareciam estar mais apurados, quase sentia a seiva que após tantos anos de ausência continuava a circular e a transformar o ar puro da serrania  em ar ainda mais puro. Jaime sentia-se mais velho e frágil, a figueira mais majestosa e colossal continuava ali como se estivesse à espera do seu regresso.
Afinal Jaime não encontrara a paz e o conforto naquela viagem. Sentia-se desfasado daqueles lugares que ele tão bem conhecia mas com os quais ele já não se identificava. Só a figueira espelhava o seu penoso trilho pela vida, tinha sido a sua sombra, por vezes o seu sustento, quando o corpo elanguescido  depois de descer a serra se regalava com o figo lampo,branco e sumarento. Tinha sido o seu mundo secreto onde se escondia dos irmãos ou do pai castigador.


A imagem do pai Francisco surgiu num lampejo quase desesperado. As alvoradas tinham assistido às suas jornadas com rumo à serra na companhia do pai.A escola já pertencia ao passado, era tempo de provar os frios intensos, o medo ancestral do Lobo que era presença constante nos sonhos em sobressalto,tendo por única protecção peles de ovelha e giestas, aquecidos pelo gado, no meio do nada e de tanta grandeza.Não havia espaço para a poesia mas na memória sempre ficam os sons e os odores estonteantes dos campos.Sons de pífaros toscamente executados enquanto deixavam o tempo escoar pela serra. Sons de notas dolorosas que o vento, carpindo pelas mimosas,levava para bem longe ecoando pelas Beiradas, cobertas pelo hibisco, pela giesta e a carqueja que avivava  os montados de pinheiros bravos.

1 comentário: