Viviam em casas senhoriais mas tinham vidas simples. A riqueza ostentativa era na época uma ofensa à moral cristã. Para entrar no Paraíso as regras eram rígidas. Ricos e pobres traçavam linhas bem demarcadas que os dividiam. Na missa, por exemplo, os mais abastados tinham o seu lugar discretamente cativo. Tudo era discrição, tudo era doseado com piedosa compaixão pelos mais desfavorecidos que, humildes, agradeciam aos ricos a serena benevolência que demonstravam nos actos de caridade nas épocas festivas. Os meninos Mendes ou os filhos do Senhor Doutor Feliciano eram o exemplo da cultura da humildade inimiga da arrogante fanfarronice dos novos - ricos do presente. Aqueles meninos tratavam Jaime como um igual nas brincadeiras do recreio mas enquanto eles tinham o mundo ao alcance dos sonhos, Jaime era prisioneiro das suas humildes origens. Desde muito cedo as meninas eram iniciadas nas lides caseiras para servirem nas casas dos senhores ricos das cercanias. Na casa de Ermelinda também as mãozitas gretadas de Lurdes descascavam as batatas que seriam copiosamente regadas com o azeite armazenado, para o ano inteiro, com religioso desvelo. Jaime lembrou-se que , antes de partir com o pai atrás do rebanho engolia à pressa o mísero repasto. O leite ordenhado todas as manhãs serviria para fazer odoríferos queijinhos de ovelha, vendidos na feira do Fundão ou ao queijeiro que, todas as quinzenas chegava afogueado, puxando o burrico teimoso, albardado com meticuloso cuidado, não fossem cair os alforges, carregados com o produto do seu comércio artesanal. Eram tempos de uma pobreza sem fome mas mal alimentada.
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