quinta-feira, 15 de julho de 2010

Na subida da serra ganhava-se uma nova alma




Fez-se ouvir o chiar metálico do comboio que anunciava uma paragem… Alpedrinha presa no tempo e no espaço acolhia o seu filho que durante mais de duas décadas percorrera a vida sem olhar para trás! Emanava desta vila, do concelho do Fundão, uma beleza sólida, robusta mas airosa. Aninhada nas encostas da Gardunha, o burgo granítico espreitando o nascente e espreguiçando-se para sul protegia-se dos frios invernosos da serra, piscando o olhar frio de pedra sobre as férteis planícies. Uma mirada que não se cansa de abraçar o granito das casas floridas. Alpendres e escadas graciosos enfeitam a austeridade das construções de pedra. A estação de comboio que se erguia do lado sul da vila, era a porta de entrada para o inquieto lar da memória. Alpedrinha, nome deitado sobre azulejos azuis, apelava como um grito, vindo de longe no tempo. O cheiro! Aquele eterno cheiro da terra que embalava a infância. Cheiro persistente que exalava dos cancelos e acordava os temores do encontro com o passado. A paragem seria curta como em todos os apeadeiros perdidos, no distante desconforto das regiões do interior.
Vamos a despachar que o tempo não nos pertence! Desceram agarrados uns aos outros. Foi assim que ficaram, bem juntos sobre aquele cais distante e deserto.
Jaime olhou em redor e o seu olhar foi atraído pelas letras negras que lhe cantavam o nome da sua vila : Alpedrinha! Alpedrinha. Deixava de ser uma vaga lembrança. Era bem real. Podia finalmente cheirar os doces aromas que hortas e quintais lhe ofereciam prodigamente. Mais de vinte anos tinham decorrido desde a sua partida mas Jaime sentia-se de novo um menino. A plataforma abria-se para uma caminhada no tempo. As caras, os olhares, dos que passavam na estrada que contornava a estação, eram descohecidos mas, os perfumes, os odores que flutuavam, a palete colorida que pincelava a paisagem, eram os mesmos que povoavam a memória dos sentidos. A cor do céu, o verde-negro dos pinheiros, as casas de pedra cinzenta, o fumo que saía de uma chaminé distante, trouxeram-lhe reminiscências que Jaime pensava estarem enterradas para sempre.
O pão quente que a mãe guardava religiosamente na arca de madeira veio-lhe à memória como uma fugaz recordação. A cabeça de Jaime fervilhava, era um atropelo de lembranças que ele não conseguia fixar numa imagem concreta.

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