sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os laços de sangue


-Tio!... Estamos aqui!! Não nos conhece?
- Somos nós cunhado! Gritou outra voz feminina gasta e envelhecida pelas agruras da vida. As crianças atordoadas pela viagem, viram adiantarem-se duas jovens mulheres que se aproximaram abrindo os braços, afogueadas na antecipação de um abraço efusivo. Ostentavam as suas maiores riquezas: as arrecadas de ouro velho e os fios que pendiam soberbos nos colos firmes e tímidos, que apesar do calor se mantinham candidamente cobertos por camisas alvas e rendadas.A terceira mulher mantinha-se à distância , discreta olhava embevecida as duas filhas frutos do acaso, frutos da terra brava do seu ventre trabalhador. Era impossível determinar a sua idade. A velhice e a decrepitude, por aquelas paragens, eram antecipadas pelos duros trabalhos do campo e dos partos sucessivos.
Houve abraços e afagos nas bochechas das crianças que não conseguiam desviar os olhares dos seios empinados das jovens primas. Nunca tinham visto tanto brilho, tantos penduricalhos valiosos, sem sentido por aquelas paragens em dia de trabalho. Não sendo dia Santo tinham sido tirados do baú para aquele encontro com os familiares vindos da grande cidade. Eram adornos que usados sem que fosse Domingo ou Dia Santo violavam os pescoços tisnados e suados sob o sol da Beira Baixa.
A bagagem era pouca mas pesada, braços de mulher aparentemente frágeis pegaram nela sem grande esforço. Era uma força trabalhada pelas necessidades da vida.
Encaminharam-se para a estrada, que nas traseiras da estação ferroviária, abriria caminho a novos encontros com o tempo, decorrido na solidão das memórias.
Após as calorosas , mas discretas, manifestações de familiar carinho, o grupo dirigiu-se, uns exaustos da viagem, outros com a pressa que caracteriza os que dependem de uma boa gestão do tempo para sobreviverem, para um velho e robusto carro de bois. A parelha esperava-os sob um sol que lentamente deixava o seu zénite e mergulhava os raios avermelhados na orla da mata centenária que em breve iriam atravessar. O único meio de transporte daquela família era um luxo ao qual nem todos tinham acesso. Não tinha bancos, por isso depois de arrumarem as bagagens tentaram sentar-se o mais comodamente possível, em cima do estrado, coberto de palha. Enquanto as crianças, sonolentas tentavam desesperadas agarrar-se aos fueiros pregados na carroça, as possantes vacas progrediam indiferentes aos obstáculos do caminho ; um odor quente exalava dos dorsos que fremiam sob o peso da canga de madeira , trabalhada com cuidadosa perícia pelas mãos de um artesão das redondezas.

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